Dados são a nova areia: podem virar peso de porta ou lente de telescópio

Após mais de uma década de reinado absoluto da expressão “dados são o novo petróleo”, uma nova e provocativa metáfora vem circulando pelos corredores digitais corporativos: “dados são a nova areia”. Embora seja bem menos glamurosa que a antecessora, o objetivo dessa afirmação de Tim O’Reilly não é diminuir a importância dos dados. Ao contrário, ela busca desconstruir a ilusão de soluções mágicas e varinhas analíticas que transformam dado em ouro, chamando a atenção para a necessidade de mais esforço na geração de inteligência e valor a partir dos dados nossos de cada dia. 

Por que areia?

Vamos entender a metáfora. A areia é um material abundante, tem baixo valor em seu estado bruto e requer esforços e recursos especializados para se transformar em produtos mais valiosos, como o vidro, por exemplo. Da mesma forma, vivemos em um mundo de dados abundantes, mas eles geram pouco valor em seu estado bruto e transformá-los em inteligência e benefícios concretos para o negócio também requer esforços e recursos especializados. 

A areia pode ser usada para fazer um peso de porta, mas também pode ser a matéria prima de lentes e espelhos refletores dos telescópios que nos ajudam a compreender (um pouquinho) a imensidão do universo que habitamos. É claro que os impactos das lentes são muito mais relevantes, mas sua concepção também passou por um processo muito mais complexo do que a produção de um peso de porta. Foram anos de estudo e desenvolvimento até chegar às peças que equipam os modernos telescópios dos centros de pesquisa espacial pelo mundo afora. Da mesma forma, é possível utilizar os dados na empresa em aplicações triviais, mas elas raramente são capazes de gerar benefícios que correspondam às expectativas e aos investimentos envolvidos no ambiente digital das organizações.  Ou seja, se buscamos o impacto das lentes de telescópio, não podemos esperar que o processo seja banal como produzir peso de porta

Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades

Com a popularização da Inteligência Artificial (IA), as expectativas sobre o poder dos dados estão aumentando ainda mais. Da automação completa de operações às atividades de apoio para turbinar a produtividade dos humanos, há muitas aplicações de IA em discussão, construção ou já em funcionamento. E se a IA está dando o que falar em tantas áreas, por que não contribuiria com as empreitadas analíticas? É aí que entra em cena a ideia do AI-powered Analytics – utilização de ferramentas de IA e Analytics combinadas para apoiar as diferentes etapas dos processos analíticos. O movimento parece bem promissor. Um estudo global revelou que 34% das empresas pesquisadas já usam IA na geração de novos KPIs e 90% dessas acredita que a introdução da IA trouxe melhorias visíveis. Além de criar KPIs, a pesquisa indicou que a IA também foi utilizada para melhorar KPIs existentes ou estabelecer novas relações entre os KPIs, potencializando a geração de insights e a capacidade preditiva desses indicadores. 

Embora a IA traga novos ares para as iniciativas analíticas, a realidade é que grande parte das empresas ainda não encontrou o caminho para o sonhado pote de ouro da inteligência digital. Pesquisas estimam que 60% dos investimentos em dados são desperdiçados e que apenas 44% dos times de D&A (Dados e Analytics) trazem resultados efetivos para o negócio. Nem precisa consultar o ChatGPT para saber que esses números são um balde de água fria até para os mais otimistas. Calejados pela dura realidade, entusiastas do universo analítico adotam discursos mais pragmáticos, lembrando que não basta acumular dados indiscriminadamente e nem sair adquirindo todas as tecnologias que estão na prateleira. 

Há luz no fim do túnel (e sim, há um túnel)

Mais do que ter dados e tecnologias, converter os dados em inteligência real e soluções efetivas requer uma mudança na cultura e na forma de operar da empresa. Essa transformação não acontecerá de forma espontânea, pelo menos não no tempo que as organizações precisam, afinal, o mundo está acelerando. Voltando à metáfora da areia, é preciso colocar a mão na massa para construir nossas lentes de telescópio

Tal construção requer intenção, atenção e consistência. É preciso desenvolver hard e soft skills que capacitem as pessoas para avançar na caminhada. Também estar aberto a repensar processos e estruturas organizacionais, além de cuidar do ambiente digital, provendo uma base sólida de ferramentas e dados para suportar a evolução da empreitada. Por isso, é fundamental que haja uma intenção clara, garantindo que as diferentes iniciativas estejam convergindo para uma direção comum. Vale lembrar que essa intenção deve estar alinhada também a objetivos corporativos estratégicos, assegurando que a empresa lhe dedique constante atenção, afinal, a jornada pode ser longa e exposta a inúmeras distrações ao longo do tempo. 

Não temos um mapa, mas trazemos insights

Desenvolver a maturidade analítica da empresa é uma maratona e não uma corrida de tiro curto. Portanto, requer uma preparação consistente e um ritmo adequado ao percurso. Apesar da importância de olhar adiante, é preciso também conseguir ganhos concretos no curto prazo. Uma jornada bem planejada pode, e deve, colher frutos ao longo do caminho. Essas vitórias confirmam a direção e revigoram a energia dos viajantes. Aqui vale o pensamento ágil: experimente, aprenda, entregue valor e prepare-se para voos ainda mais altos. 

Cada empresa terá sua trajetória e não há uma receita única, mas destacamos algumas trilhas de ação que podem colaborar com qualquer roteiro:

  1. Integrar dados à estratégia corporativa
  2. Estimular a cultura digital na empresa
  3. Desenvolver o data literacy (letramento em dados) das equipes
  4. Desenvolver o perfil das lideranças para usar dados em suas práticas de gestão
  5. Incorporar o uso de dados nos rituais e processos existentes
  6. Estimular o uso de dados nas tomadas de decisão
  7. Garantir a qualidade e a segurança dos dados
  8. Estabelecer uma curadoria de dados na empresa

Enfim, se o presente das organizações é digital, seu futuro tem que ser analítico. Nessa era de agilidade, com mudanças cada vez mais velozes no contexto dos negócios e a crescente avalanche de dados que transitam pelas operações, o desenvolvimento da maturidade analítica da empresa é uma questão de sobrevivência. Por outro lado, o mundo analítico está em franca construção: novo cenário de dados, novas ferramentas e técnicas, novas aplicações, novas demandas éticas e operacionais. Por isso, seja qual for o histórico da empresa no uso de dados, usuário raiz ou novo entrante, lembre-se que o jogo não está ganho para ninguém. Estamos todos na jornada, descobrindo e construindo o caminho. Para quem já está nessa viagem, respira, não pira e segue adiante. Para quem ainda não deu o primeiro passo, nunca é cedo demais ou tarde demais para iniciar o desenvolvimento da inteligência analítica da empresa. Só não dá para ficar parado e deixar que os dados virem peso de porta.

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